A nova lei do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp) – Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022 – moderniza e simplifica os procedimentos relativos aos registros públicos de atos e negócios jurídicos, de que trata a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 - LRP, e de incorporações imobiliárias, de que trata a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964.
Conquanto as atuais atenções estejam voltadas para a prática eletrônica dos atos registrais, merecem devem ser destacadas as modificações implementadas no âmbito do Registro Civil das Pessoas Naturais.
Na primeira parte do Artigo tratou-se acerca do acesso à informação, unidades interligadas, direito ao nome e alteração de prenome e sobrenome.
Vejamos as mudanças concernentes à união estável, a sua conversão em casamento e ao casamento.
União Estável - Sobrenome
De acordo com o novo § 2º do art. 57 da LRP, especificamente quanto à união estável, foi previsto o direito de os conviventes requererem a inclusão do sobrenome do outro companheiro, bem como alterarem seus sobrenomes nas mesmas hipóteses previstas para as pessoas casadas. Nada obstante, a norma condiciona as modificações de sobrenome ao registro da união estável no registro civil de pessoas naturais (§ 2º do art. 57 da LRP).
Conforme art. 57 da LRP, poderão ser realizadas alterações dos sobrenomes das pessoas casadas, independentemente de decisão judicial, nas seguintes situações: (i) inclusão ou exclusão de sobrenome do cônjuge, na constância do casamento – aqueles que incluíram o sobrenome do outro cônjuge na ocasião do casamento poderão requerer a exclusão, sem demais alterações no sobrenome; enquanto os que não alteraram o nome no momento do casamento poderão fazê-lo a qualquer tempo; (ii) exclusão de sobrenome do ex-cônjuge, após a dissolução da sociedade conjugal – não há necessidade de sentença judicial que determine a exclusão ou escritura pública de que trata o art. 45 da Resolução nº 35, de 24 de abril de 2007 do Conselho Nacional de Justiça; (iii) inclusão e exclusão de sobrenomes em razão de alteração das relações de filiação, inclusive para os descendentes, cônjuge ou companheiro da pessoa que teve seu estado alterado – quando houver alteração do sobrenome em decorrência de separação, divórcio, dissolução de união estável ou viuvez; bem como quando o descendente tiver sido registrado apenas com o patronímico do outro genitor.
Os registros das sentenças declaratórias de reconhecimento e dissolução, bem como dos termos declaratórios formalizados perante o oficial de registro civil e das escrituras públicas declaratórias e dos distratos que envolvam união estável, deverão ser realizados no Livro E do Registro Civil de Pessoas Naturais (v. art. 94-A da LRP e Provimento nº 37, de 7 de julho de 2014 da Corregedoria Nacional de Justiça).
De acordo com o parágrafo único do art. 33 da LRP, “no Cartório do 1º Ofício ou da 1ª subdivisão judiciária haverá, em cada comarca, outro livro para inscrição dos demais atos relativos ao estado civil, designado sob a letra ‘E”. Dessa forma, os atos registrais que envolvam a união estável devem ser perfectilizados no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais do 1º Ofício ou da 1ª subdivisão judiciária, se houver.
União Estável – Registro Público
A Lei nº 14.382, de 2022 consolida no ordenamento jurídico pátrio as disposições anteriormente previstas no Provimento CNJ nº 37, de 7 de julho de 2014, o qual dispõe sobre o registro de união estável, no Livro "E", por Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais.
De acordo com a Lei, a constituição da união estável poderá ser registrada e a respectiva dissolução averbada no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais do 1º Ofício ou da 1ª subdivisão judiciária desde que a convivência qualificada seja formalizada por: (i) sentenças declaratórias de reconhecimento e dissolução; (ii) termos declaratórios formalizados perante o oficial de registro civil; (iii) escrituras públicas declaratórias e distratos que envolvam união estável.
Inova-se ao prever a possibilidade de que as uniões estáveis sejam registradas por meio de “termos declaratórios formalizados perante o oficial de registro civil”. Trata-se de documento público, de natureza notarial, a ser confeccionado pelo Oficial de Registro Civil competente para a prática do ato registral. Assim, o Oficial de Registro Civil do 1º Ofício ou da 1ª subdivisão judiciária em que os companheiros têm ou tiveram sua última residência, a requerimento expresso de ambos os conviventes, formalizará e lavrará o competente Termo.
A prática de atos cuja natureza seja notarial por parte dos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais encontra sedimentado amparo no âmbito normativo jurídico notarial e registral, tal qual na prática dos procedimentos que envolvem: (i) a recepção, pelos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais, de indicações de supostos pais de pessoas que já se acharem registradas sem paternidade estabelecida, bem como sobre o reconhecimento espontâneo de filhos perante os referidos registradores (Provimento CNJ nº 16, de 17 de fevereiro de 2012); (ii) o registro tardio de nascimento (Provimento CNJ nº 28, de 5 de fevereiro de 2013); (iii) o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva no Livro “A” e sobre o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução assistida (Provimento CNJ nº 63, de 14 de novembro de 2017); e (iv) a alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no Registro Civil das Pessoas Naturais.
Ainda quanto à natureza dos documentos hábeis a registro e averbação da constituição ou dissolução das uniões estáveis, insta destacar que os instrumentos particulares declaratórios, bem como os respectivos distratos, de origem estrangeira, nos quais ao menos um dos companheiros seja brasileiro, poderão ser levados a registro no Livro E do RCPN em que qualquer dos companheiros tem ou tenha tido sua última residência no território nacional. Os documentos de origem estrangeira, sejam os instrumentos particulares, as sentenças estrangeiras de reconhecimento de união estável, os termos estrangeiros extrajudiciais ou escrituras públicas declaratórias de união estável, deverão ser previamente legalizados ou apostilados e acompanhados de tradução juramentada.
Embora pessoas casadas e separadas de fato possam regularmente conviver em união estável (v. segunda parte do § 1º do art. 1.723 do Código Civil), regra geral não poderão registrá-la, exceto se separadas judicialmente ou extrajudicialmente. Poderá, ainda, haver o registro da união estável de pessoas casadas se a declaração da união estável decorrer de sentença judicial transitada em julgado.
União Estável – Conversão em Casamento
A Lei do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp) no artigo 70-A da Lei nº 6.015, de 1973 tratou da conversão de união estável em casamento. Trata-se de unificação nacional do procedimento, uma vez que as Unidades Federativas possuem regulamentação própria acerca de tal mister. No DF a regulamentação dava-se pelo Provimento GC-TJDFT 38, de 27 de dezembro de 2019.
A nova disposição legal observa o comando Constitucional previsto na segunda parte do § 3º do art. 226 da Carta Magna “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”, bem como o disposto no art. 1.726 do Código Civil “a união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.”
A conversão da união estável em casamento deverá ser realizada perante Registro Civil de Pessoas Naturais da residência de algum dos conviventes. O procedimento de habilitação observará o mesmo rito previsto para o casamento, constando dos proclamas que se trata de conversão de união estável em casamento. Consigne-se que não se faz necessário o registro da união estável no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais do 1º Ofício ou da 1ª subdivisão judiciária para que possa ser feita a conversão.
Uma vez publicados os proclamas, será lavrado o assento da conversão da união estável em casamento, independentemente de autorização judicial, e sem a celebração do matrimônio.
No assento da conversão da união estável em casamento não constará a data do início ou o período da união estável, salvo no caso de prévio procedimento de certificação eletrônica de união estável realizado perante oficial de registro civil. Assim, caso a união estável seja previamente registrada no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais do 1º Ofício ou da 1ª subdivisão judiciária, poderá constar do assento do casamento a data do seu início.
Finalmente, destaca-se que a procuração para fins de conversão de união estável em casamento deverá ser pública e com prazo máximo de eficácia de 30 (trinta) dias.
Casamento – Procedimento
Interessantes medidas de desburocratização foram adotadas pela Lei nº 14.382, de 2022 no que toca ao procedimento relacionado ao casamento.
A competência para a habilitação foi mantida, devendo o procedimento ser realizado no Registro Civil de Pessoas Naturais de residência de um dos nubentes. Contudo, uma vez expedido o competente certificado de habilitação matrimonial, os nubentes poderão contrair matrimônio perante qualquer serventia de registro civil de pessoas naturais, dentro do prazo eficacial de noventa dias a contar da data em que foi extraído o certificado. (v. art. 1.532 do Código Civil).
Após o regular início do processamento da habilitação matrimonial, se estiver em ordem a documentação, o oficial de registro publicará os proclamas em meio eletrônico no prazo de 24 horas até 5 dias. Encerrado o prazo de publicação, o certificado de habilitação será expedido.
Além da sobredita redução do prazo de publicação dos proclamas (anteriormente de quinze dias), a nova lei privilegia a utilização de sistemas eletrônicos ao prever que a identificação dos nubentes e a apresentação dos documentos exigidos civil para fins de habilitação poderão ser realizadas em meio digital, bem como a própria celebração do casamento poderá ser realizada em meio eletrônico, por sistema de videoconferência.
No que pertine à celebração de matrimônios por videoconferência, além da necessária verificação por parte dos Juízes de Paz acerca da livre manifestação de vontade nos nubentes, deverão igualmente se atentar, quando o casamento for em edifício particular, se as portas estão inteiramente abertas durante o ato (v. § 1º do art. 1.534 do Código Civil). Ademais, logo depois de celebrado, o assento poderá ser assinado pelos cônjuges e testemunhas por meio de assinatura eletrônica avançada ou qualificada (v. Lei nº 14.063, de 23 de setembro de 2020).
O Ministério Público somente se manifestará se houver alguma manifestação de impedimento ou arguição de causa suspensiva.
Finalmente, consigne-se que, a despeito da possibilidade de publicação dos proclamas por exíguo prazo, foi mantida a previsão de que por meio de petição dirigida ao oficial de registro, os nubentes poderão requerer a dispensa da publicação provando a urgência com documentos, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas. Caso o oficial não dispense a publicação, caberá recurso da decisão ao juiz corregedor. A dispensa de proclamas é medida excepcionalíssima, geralmente envolvendo questões ligadas ao estado de saúde de algum dos nubentes.
As alterações legais introduzidas pela Lei do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp) e acima tratadas albergam as modernas necessidades dos brasileiros ao tempo que reforçam a atuação contemporânea, segura e eficaz dos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais.
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