* Por Geraldo Felipe de Souto Silva
Atualmente, há duas espécies de bens de família no sistema jurídico brasileiro:
- Bem de família legal
- Bem de família convencional.
O bem de família legal consiste no único imóvel residencial próprio da entidade familiar ou, se houver mais de um, o imóvel de menor valor. Este compreende ainda a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem o aludido imóvel, desde que quitados.
Independe de qualquer registro ou averbação na matrícula do referido imóvel para que assim seja considerado, em razão de assim o ser op legis (v. Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990).
Regra geral, o bem de família legal é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas na Lei nº 8.009, de 1990.
O bem de família CONVENCIONAL ou VOLUNTÁRIO dependerá, para a sua instituição, de ato da entidade familiar ou de terceiro, por meio da destinação de parte do patrimônio para tal mister. A regulação legal dessa espécie de bem da família, de grande valia para a proteção patrimonial familiar embora ainda com pouca utilização prática, se encontra delineada nos artigos 1.711 a 1.722 do Código Civil.
Qual ato da entidade familiar é hábil a instituir o bem de família convencional?
Os cônjuges, companheiros ou a entidade familiar podem destinar parte de seu patrimônio para instituição do bem de família por meio de escritura pública ou testamento.
Posteriormente, a referida escritura pública ou testamento deverá ser impreterivelmente registrado no cartório de registro de imóveis competente, uma vez que o registro é fundamental para o aperfeiçoamento da instituição.
Há procedimento especial de registro de bem de família voluntário no cartório de registro de imóveis?
Sim. De acordo com o disposto nos arts. 260 a 265 da Lei nº 6.015/73, para o registro do bem de família, o instituidor apresentará, ao oficial do registro, a escritura pública ou o testamento.
O oficial, após a protocolização do título, analisará formalmente os seus aspectos extrínsecos e intrínsecos e, não havendo formulação de exigências ou em havendo exigências sendo estas sanadas ou, ainda, sendo eventual suscitação de dúvida julgada improcedente, seguirá o procedimento de registro.
Após, o oficial de registros elaborará edital a ser publicado na imprensa com o resumo da escritura, nome, naturalidade e profissão do instituidor, data do instrumento e nome do tabelião que o fez, situação e características do imóvel ou dos valores mobiliários; bem como o aviso de que, se alguém se julgar prejudicado, deverá, dentro em trinta (30) dias, contados da data da publicação, reclamar contra a instituição, por escrito e perante o oficial.
Findo o prazo de 30 dias da publicação sem que tenha havido reclamação, o oficial transcreverá a escritura, integralmente, no Livro nº 3 - Registro Auxiliar e fará a inscrição na competente matrícula do imóvel (Livro nº 2 - Registro Geral), devendo, ainda, arquivar um exemplar do jornal em que a publicação houver sido feita.
Caso a inscrição seja tão somente dos valores mobiliários, por lógico, não haverá a inscrição na matrícula do imóvel, mas somente a transcrição no Livro nº 3 - Registro Auxiliar.
Caso no trintídio haja reclamação de terceiros interessados a prenotação será suspensa até que o juiz de registros públicos decida sobre o registro.
Consigne-se, por oportuno, que o cancelamento de per si da prenotação conduz ao deferimento de direito puramente potestativo em favor do reclamante o que poderá ensejar em ofensa à boa-fé objetiva pelo abuso de direito. Desta feita, mais acertada parece a suspensão da prenotação até manifestação judicial.
Examinadas as razões, caberá ao juiz de registros públicos em contraditório, por despacho, deferir ou indeferir o pedido de registro. Ressalve-se que a decisão administrativa do magistrado não possui o condão de fazer coisa julgada, podendo ser ajuizada a ação competente para questionamento do registro ou da vedação ao registro.
Pode a entidade familiar destinar todo o seu patrimônio para a instituição do bem de família convencional?
Não. A instituição do bem de família convencional não poderá ultrapassar um terço (1/3) do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição. Assim, para que possa ser aferido o limite máximo de um terço (1/3) do patrimônio líquido devem ser deduzidas as dívidas e débitos familiares anteriores a fim de que não haja imobilização dolosa do patrimônio, e, por conseguinte, configurada fraude contra credores.
Terceiro poderá instituir bem de família em favor da entidade familiar?
Sim. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por doação ou testamento. A doação deverá ser perfectibilizada por meio de escritura pública independentemente de o patrimônio instituído como bem de família ser imóvel ou móvel, em razão da solenidade ínsita ao ato (v. art. 1.711 do Código Civil).
Por outra monta, a instituição por meio de testamento poderá ser tanto pela forma pública, particular ou cerrada.
Contudo, em todas as situações, a eficácia do ato dependerá da aceitação expressa de ambos os cônjuges ou companheiros beneficiados ou, ainda, da entidade familiar beneficiada.
A instituição do bem de família convencional afasta as regras de proteção do bem de família legal?
Não. A instituição do bem de família convencional não interfere nas regras de impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecidas na Lei nº 8.009, de 1990. Haverá, com a instituição voluntária, ampla proteção do patrimônio familiar.
Somente bens imóveis poderão compor o bem de família convencional?
Não. Poderá fazer parte do bem de família convencional prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se, em ambos os casos, a domicílio familiar. Poderá o bem de família, ainda, abranger valores mobiliários.
Os valores mobiliários são títulos ou contratos de investimento coletivo, ofertados publicamente, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.
São exemplos de valores mobiliários: (i) certificados de recebíveis imobiliários - CRI’s, os certificados de investimentos audiovisuais e as cotas de fundos de investimento imobiliário - FII, entre outros as ações, debêntures e bônus de subscrição; (ii) os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento; (iii) os certificados de depósito de valores mobiliários; (iv) as cédulas de debêntures; (v) as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos; (vi) as notas comerciais; (vii) os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; (viii) outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes (v. Leis nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976 e nº 10.198, de 14 de fevereiro de 2001).
Importante destacar que os valores mobiliários deverão necessariamente ter sua renda aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.
O bem de família convencional se torna impenhorável?
Sim. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição. No entanto, a impenhorabilidade será ressalvada se as dívidas posteriores provierem de tributos relativos ao prédio ou de despesas de condomínio.
A impenhorabilidade durará enquanto viver um dos integrantes da entidade familiar, ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade.
A entidade familiar poderá alienar livremente o patrimônio instituído como bem de família convencional?
Não. O bem de família convencional torna inalienável os bens nele constituídos. A alienação dependerá do consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público. No Distrito Federal, a análise acerca do cancelamento do registro voluntário de bem de família instituído sobre imóvel deve ser atribuída ao Juízo Cível, porquanto a referida pretensão não possui relação com o ato cartorário em si considerado, ainda que a consequência seja a exclusão da restrição voluntariamente gravada no registro (Acórdão TJDFT 1112441).
Como se dá o cancelamento do bem de família convencional?
A extinção do bem de família convencional depende sempre de decisão judicial, uma vez comprovada a impossibilidade de sua manutenção pelos interessados nas condições em que instituído. Haverá a necessária participação do Ministério Público.
O divórcio não extingue o bem de família. Dissolvida a sociedade conjugal ou a união estável pela morte de um dos cônjuges ou companheiros, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se for o único bem familiar.
Será extinto, ainda, o bem de família convencional com a morte de ambos os cônjuges ou companheiros e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela.